Há mais ou menos quarenta anos, alguém tirou essa foto. Estamos num clube de férias, na praia. Talvez a primeira vez que fomos a um hotel. Dormir em outro lugar, pegar a estrada, atravessar a serra do mar. Tudo era novidade. Viajávamos de caminhão, um ford, todos acomodados na cabine. Meus pais, devagar esmiuçavam o trajeto e aproveitavam para contar suas outras histórias.
Contemplavamos, outros lugares que sabiamos existir no horizonte de seus olhos. Meu pai contava sempre sua longa viagem, ora de trem de um lugar para outro, ora atravessando oceanos; esteve na guerra, indo para a África, listava os lugares, dando nomes e datas que soavam estranhos. Contava seus enredos no pretérito, e se entrelaçavam entre nós e as montanhas, as serras e as suas palavras, o seu jeito sempre seguro em acolher a vida.
Éramos uma família, chegando ao mar. Habitando esse território desconhecido de enredos, alinhando o tempo de nossa infância, nesta fragilidade do tempo onde sempre nos perdemos.
Tiramos essa foto ao lado da fonte. Estou ao lado do meu irmão, tão tímido como todos. Duas das minhas irmãs ficaram com medo. Minha mãe esboça um sorriso, mas meu pai conserva o fio de tensão ao ajeitar as filhas diante de si.
O sol estava forte. Meu corpo se impõe à minha consciência como algo sempre desregulado para uma criança, e ver essa foto hoje é absorver enfim o poder do tempo e da saudade, que está sempre nos mostrando onde erámos felizes.
JU Gioli