Colagem e grafite s/papel
Ju Gioli
@ Dis-cursos
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Alberto Giacometti
Há 15 dias
Há quinze dias tento fazer
paisagens. Passo todos os dias na frente do mesmo jardim, das mesmas árvores e
do mesmo fundo. Vi essa paisagem pela primeira vez pela manhã, o sol estava
brilhando, as árvores cobertas de flores, e no fundo, bem ao longe, montanhas
cobertas de neve. Era isso que eu queria pintar, mas desde então o céu está
menos claro, muitas vezes chove, não vejo mais as montanhas há quinze dias as
flores, as brancas e lilases, murcharam, e continuo minhas paisagens até a
madrugada.
Cada dia, vejo um pouco mais que
não estou vendo nada e não sei de que forma alguma como, e por meio de quê, eu
poderia colocar na tela algo daquilo que vejo. Qualquer esperança de restituir
a visão do primeiro dia desaparece, mas isso é-me bastante indiferente. Essa paisagem devia ser
apenas um começo, é isso que eu tenho o tempo inteiro sob os olhos na frente da
porta do meu atelier, vi muitas outras nos arredores que queria fazer também , uma eu até comecei um dia. Pensei que
poderia fazer toda uma série de paisagens, da manhã, da noite, algumas com
grandes conjuntos, outras com árvores, e outras ainda com o rio.
Mas eu não penso mais nisso, aquelas que estão na frente da
porta são me suficientes por meses, e ainda assim eu seria obrigado a me
limitar, primeiro a uma só parte dessa paisagem, e em seguida provavelmente a
uma só árvore, e no final, a apenas um galho. E quer eu faça a paisagem ou
flores num vaso, ou um vaso com flores ressecadas, ou somente o vaso, ou outros
objetos que estão na mesa, isso não tem mais nenhuma importância. Ou uma figura
no cômodo com os objetos que o cercam, e voltarei bem rápido ao mesmo assunto
que estou tentando pintar há anos, e as paisagens seriam uma vez mais adiadas
para mais tarde, ou, em todo caso, não vejo quando poderia ir mais longe do que
aquela que vejo pela minha janela ou na frente de minha porta.
Mas vejo todas aquelas que
gostaria de ter pintado, em torno de meu atelier em Paris, e depois o terreno
baldio de Malaloff, e os arredores de Paris, e de Dieppe e do cabo Ferrat, mas
também toda a paragem para Digne. E aqui logo depois da fronteira italiana.
Muitas vezes, à noite, vejo todas
as reproduções de paisagens que encontro nos livros que tenho aqui (é uma
escolha bastante limitada), para saber quais me chamam a atenção, ou me
interessam mais. Comparo-as e copio-as. Há aqui algumas reproduções dos
impressionistas, dos holandeses, flamengos primitivos, egípcios, um álbum de
paisagens chinesas, e é mais ou menos tudo.
Fica me a memória, nesta noite,
sobretudo as de Cézanne, as chinesas, as de Ruysdael e as de Van Eyck e as egípcias, o que
provavelmente ficaria na memória de mais ou menos todo mundo, pelo menos de
quase todos o pintores.
Eu me restrinjo, para acabar, a
dois detalhes de Van Eyck, a um relevo egípicio e a duas ou três paisagens
chinesas e as de Ruysdael. São essas que me parecem as que mais se assemelham,
sobretudo as de Van Eyck e o relevo egípcio, ou também uma cascata entre as
rochas chinesas. É quase incômodo falar de paisagem chinesas hoje, fala-se
muito delas, admira-se muito sua atmosfera, o espaço, a onda, elas parecem
sempre de referências duras e precisas como uma pedra, são essas três obras que
me chamam a atenção e que mais me interessam. Eu as copio e me parece que elas
têm alguma coisa, ou mesmo muitas coisas em comum.
São essas as paisagens em
pinturas que me vêm primeiramente à memória.
{...}
Giacometti, Alberto. Écrits. Paris: Hermann
Éditeurs, 2007, PP.375-377.
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