"Assim como num dia de Verão as ondas se juntam, se levantam e caem; e o mundo inteiro parece estar a dizer «é só isto» cada vez com mais veemência, até que o próprio coração no interior do corpo deitado ao sol na praia diz também: é só isto. Não tornes a ter medo, diz o coração"
Mrs. Dalloway é o primeiro dos romances de Virginia Woolf que subverte a narrativa tradicional: tudo se passa apenas num dia, e por esta referência ao tempo em que a ação decorre, rompe com as convenções do romance tradicional, ao estabelecer as bases de uma nova estética da ficção, ao evitar a linearidade típica da prosa, inserindo o romance no movimento que, retrospectivamente, seria caracterizado como modernismo literário e cujo início pode ser situado na primeira década do século XX. Temos na Grã-Bretanha, além de Virginia, os nomes de James Joyce, na ficção, e T.S. Elliot, na poesia.
Tudo se passa num dia de junho de 1923, entre as 10 horas da manhã e a meia-noite. A I Grande Guerra terminou, o verão surge em Londres e Clarissa, prepara-se para dar uma das suas festas. Mas quando a noite se aproxima, o aparecimento de Peter Walsh, o seu primeiro amor regressado da Índia, vai atiçar o passado, trazendo-lhe à memória os sonhos de juventude e a querela que muitos anos antes a precipitou num casamento sem brilho. Uma mulher que amava a vida, mas que se sentia oprimida por uma sensação de perda emocional, de aperto da sua existência. De súbito, Clarissa tem consciência da força da vida.
Woolf expõe assim diferentes modos de sentir, evocando, mais que o espírito do tempo, o espírito da própria vida no olhar de cada personagem. Mas a singularidade da obra vem dessa espécie de sósia de Mrs. Dalloway, que é Septimus Warren Smith, enlouquecendo com o trauma da guerra e com quem Clarissa parece partilhar uma mesma consciência (assim, a escritora aproveita para acusar suas próprias angústias; uma espécie de auto-retrato). Septimus com as suas alucinações e esquizofrenia, delirando com um amigo que morreu em combate, é um importante contraponto a Clarissa: uma chaga aberta, a sua dor exposta ao mundo, o ressentimento, a sua ferida, a sua intimidade; ela esconde o seu silêncio, cobre-o com uma capa de falsa confiança, com festas. Ela lamenta o passado; encontra-se incerta acerca do presente; e teme o futuro, o assustadoramente pouco familiar, e iminente, processo de envelhecer.
Mas a obra também sugere que tal como as personagens, as pessoas tendem a adaptar-se às circunstâncias sociais, mesmo que isso não os faça feliz. Clarissa pretende que os seus convidados saiam de sua casa com a sensação de que viver vale a pena…ou não, e assim temos nossas descobertas.
Domingo ao fim da tarde , vejo Mrs Dalloway saltar das páginas do livro para uma sessão especial no A Última festa, (filme de 1997). Adaptação do romance pela actriz Eileen Atkins, Mrs. Dalloway reaparece com a irrepreensível técnica dramática de Vanessa Redgrave na interpretação da personagem principal. Pareceu-me que o filme, apesar de fazer certas escolhas ao nível do discurso, não é uma adaptação radical da obra da escritora. Embora ao utilizar certos recursos e introduzir certas mudanças, o filme permaneça fiel ao “espírito” do romance e consegue atualizar seus significados.
Mas a obra também sugere que tal como as personagens, as pessoas tendem a adaptar-se às circunstâncias sociais, mesmo que isso não os faça feliz. Clarissa pretende que os seus convidados saiam de sua casa com a sensação de que viver vale a pena…ou não, e assim temos nossas descobertas.
Domingo ao fim da tarde , vejo Mrs Dalloway saltar das páginas do livro para uma sessão especial no A Última festa, (filme de 1997). Adaptação do romance pela actriz Eileen Atkins, Mrs. Dalloway reaparece com a irrepreensível técnica dramática de Vanessa Redgrave na interpretação da personagem principal. Pareceu-me que o filme, apesar de fazer certas escolhas ao nível do discurso, não é uma adaptação radical da obra da escritora. Embora ao utilizar certos recursos e introduzir certas mudanças, o filme permaneça fiel ao “espírito” do romance e consegue atualizar seus significados.
Tal como em Ulisses de James Joyce, Mrs Dalloway decorre num único dia, que inicia às dez da manhã e prolonga-se até as três da madrugada seguinte, com uma marcação contínua e pontual aos toques do Big Ben. É um dia na vida da mulher de um desinteressante membro da câmara dos Comuns, uma encantadora senhora de cinquenta e dois anos, mas que como tantas outras, sobrecarregada por uma série inesgotável de tarefas. Podia passar-se em qualquer lugar, em 2012), uma mulher (ou um homem) preocupados com o que não tiveram coragem de fazer, com o que ficou para trás. Arrependimento? Falta de coragem? Falta de força anímica para ainda alterar o futuro? Clarissa Dalloway pode ser uma ou muitas mulheres, ou qualquer mulher que se cruze connosco. Foi ao fim da tarde, “quando as luzes de apagavam e acendia o coração”, que Clarissa, agora em tela (embora com anos de atraso [meu]), me convidou para a sua festa.
A festa de Mrs Dalloway é como todas as festas, um verdadeiro microcosmo social, onde as intrigas emocionais e existenciais se revelam.
Virginia Woolf esmiúça magistralmente a subtileza das reações e das angústias dos seres humanos artificialmente confinados dentro dos limites impostos por uma ocasião social. Drama romântico e melancólico, o livro e o filme oferecem-nos um estudo existencial sobre os efeitos inevitáveis – e o preço a pagar –pelas opções de vida.