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14 abril 2009

O Artista Perfeito

O Artista Perfeito

Por Clarice Lispector:

“Não me lembro bem se é em Lês donnés immediates de La conscience que Bérgson fala do grande artista que seria aquele que tivesse, não só um, mas todos os sentidos libertos do utilitarismo. O pintor tem mais ou menos liberto o sentido da visão, o músico da audição.
Mas aquele que estivesse completamente livre de soluções convencionais e
utilitárias veria o mundo, ou melhor,
teria o mundo de um modo como jamais artista nenhum o teve.
Quer dizer, totalmente e na sua verdadeira realidade.
Isso poderia levantar uma hipótese. Suponhamos que se pudesse educar, ou não educar, uma criança, tomando como base a determinação de conservar-lhes os sentidos alertas e puros. Que se não lhe dessem dados, mas que os seus dados fossem apenas os imediatos. Que ela não se habituasse. (...) Suponhamos então que essa criança se tornasse artista e fosse artista.
O primeiro problema surge: seria ela artista pelo simples fato dessa educação? É de crer que não, arte não é pureza, é purificação, arte não é liberdade, é libertação.

Essa criança seria artista do momento em que descobrisse que há um símbolo
utilitário na coisa pura que nos é dada. Ela faria, no entanto, arte se seguisse o caminho inverso ao dos artistas que não passam por essa impossível educação: ela unificaria as coisas do mundo não pelo seu lado de maravilhosa gratuidade mas pelo seu lado de utilidade maravilhosa. Ela se libertaria. Se pintasse, é provável que chegasse à seguinte fórmula explicativa da natureza: pintaria um homem comendo o céu. Nós, os utilitários, ainda conseguimos manter o céu fora de nosso alcance. Apesar de Chagall.
Mas se homem, esse único, não fosse artista – não sentisse a necessidade de transformar as coisas para lhes dar uma realidade maior – não sentisse enfim necessidade de Arte, então quando ele falasse nos espantaria. Ele diria as coisas com a pureza de quem viu que o rei está nu. Nós os consultaríamos como cegos e surdos que querem ver e ouvir.
Teríamos um profeta, não do futuro, mas do presente. Não teríamos um artista. Teríamos um inocente. E arte, imagino, não é inocência, é tornar-se inocente.
Talvez seja por isso que as exposições de desenhos de crianças, por mais belas, não são propriamente exposições de arte. E é por isso que se as crianças pintam como Picasso, talvez seja mais justo louvar Picasso que as crianças. A criança é inocente, Picasso tornou-se inocente.


Texto extraído do livro de Clarice Lispector: “ A Descoberta do Mundo”
Editora Rocco, pág. 228.
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colagem: JU Gioli
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5 comentários:

Silvares disse...

Um texto a pedir meditação. Pessoalmente, não me parece que haja a mais leve brisa de inocência em Picasso. Ele afirmou que foi mais difícil "desaprender" a desenhar do que tinha sido aprender. Parece-me que é desse sistema de construção de uma identidade artística que Clarice fala aqui. Mas a hipótese que coloca é de tal modo etérea que imaginar consequências para essa hipótese é um jogo sem regras, logo quase impossível de jogar. A menos que se deseje muito jogá-lo.

Selena Sartorelo disse...

Enquanto medito penso...penso e penso que medito.
Adoraria não entender o entendido
Odiaria desentender o sentido
O ideal seria não existir ideal.
Aconchegar o teu pensamento e manter em mim o meu inocente pensamento.
Sem receitas, nem deduções,
apenas discernimento sem lógica
Absurdos que tornaram-se comuns por não serem tão absurdos assim.

Mas ao invez de pensar em letras altas..vou falar em voz baixa.

beijos,
Selena

Maria Augusta disse...

..."arte não é pureza, é purificação, arte não é liberdade, é libertação". Deve ser mais difícil desaprender que aprender, porisso nem todos conseguem se tornar artistas e adquirir um olhar inocente sobre as coisas.
Beijos.

Unknown disse...

a clarisse linspector era uma otima escritora mesmo
heheh
vlw por postar ela aqui
momentos agradaveis
abraços

Movimento Natureza disse...

Ju, e as primeiras árvores para o nosso Movimento Natureza já estao sendo plantadas e de um modo super especial. Veja quem foi a primeira a plantar sua árvore e de um modo bem especial. http://novitazinha.blogspot.com/2009/04/quase-um-conto-de-fadas.html

Um abraco

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