O Artista Perfeito
Por Clarice Lispector:
“Não me lembro bem se é em Lês donnés immediates de La conscience que Bérgson fala do grande artista que seria aquele que tivesse, não só um, mas todos os sentidos libertos do utilitarismo. O pintor tem mais ou menos liberto o sentido da visão, o músico da audição.
Mas aquele que estivesse completamente livre de soluções convencionais e
Por Clarice Lispector:
“Não me lembro bem se é em Lês donnés immediates de La conscience que Bérgson fala do grande artista que seria aquele que tivesse, não só um, mas todos os sentidos libertos do utilitarismo. O pintor tem mais ou menos liberto o sentido da visão, o músico da audição.
Mas aquele que estivesse completamente livre de soluções convencionais e
utilitárias veria o mundo, ou melhor,
teria o mundo de um modo como jamais artista nenhum o teve.
Quer dizer, totalmente e na sua verdadeira realidade.
Isso poderia levantar uma hipótese. Suponhamos que se pudesse educar, ou não educar, uma criança, tomando como base a determinação de conservar-lhes os sentidos alertas e puros. Que se não lhe dessem dados, mas que os seus dados fossem apenas os imediatos. Que ela não se habituasse. (...) Suponhamos então que essa criança se tornasse artista e fosse artista.
O primeiro problema surge: seria ela artista pelo simples fato dessa educação? É de crer que não, arte não é pureza, é purificação, arte não é liberdade, é libertação.
Essa criança seria artista do momento em que descobrisse que há um símbolo
Isso poderia levantar uma hipótese. Suponhamos que se pudesse educar, ou não educar, uma criança, tomando como base a determinação de conservar-lhes os sentidos alertas e puros. Que se não lhe dessem dados, mas que os seus dados fossem apenas os imediatos. Que ela não se habituasse. (...) Suponhamos então que essa criança se tornasse artista e fosse artista.
O primeiro problema surge: seria ela artista pelo simples fato dessa educação? É de crer que não, arte não é pureza, é purificação, arte não é liberdade, é libertação.
Essa criança seria artista do momento em que descobrisse que há um símbolo
utilitário na coisa pura que nos é dada. Ela faria, no entanto, arte se seguisse o caminho inverso ao dos artistas que não passam por essa impossível educação: ela unificaria as coisas do mundo não pelo seu lado de maravilhosa gratuidade mas pelo seu lado de utilidade maravilhosa. Ela se libertaria. Se pintasse, é provável que chegasse à seguinte fórmula explicativa da natureza: pintaria um homem comendo o céu. Nós, os utilitários, ainda conseguimos manter o céu fora de nosso alcance. Apesar de Chagall.
Mas se homem, esse único, não fosse artista – não sentisse a necessidade de transformar as coisas para lhes dar uma realidade maior – não sentisse enfim necessidade de Arte, então quando ele falasse nos espantaria. Ele diria as coisas com a pureza de quem viu que o rei está nu. Nós os consultaríamos como cegos e surdos que querem ver e ouvir.
Mas se homem, esse único, não fosse artista – não sentisse a necessidade de transformar as coisas para lhes dar uma realidade maior – não sentisse enfim necessidade de Arte, então quando ele falasse nos espantaria. Ele diria as coisas com a pureza de quem viu que o rei está nu. Nós os consultaríamos como cegos e surdos que querem ver e ouvir.
Teríamos um profeta, não do futuro, mas do presente. Não teríamos um artista. Teríamos um inocente. E arte, imagino, não é inocência, é tornar-se inocente.
Talvez seja por isso que as exposições de desenhos de crianças, por mais belas, não são propriamente exposições de arte. E é por isso que se as crianças pintam como Picasso, talvez seja mais justo louvar Picasso que as crianças. A criança é inocente, Picasso tornou-se inocente.
Texto extraído do livro de Clarice Lispector: “ A Descoberta do Mundo”
Editora Rocco, pág. 228.
Talvez seja por isso que as exposições de desenhos de crianças, por mais belas, não são propriamente exposições de arte. E é por isso que se as crianças pintam como Picasso, talvez seja mais justo louvar Picasso que as crianças. A criança é inocente, Picasso tornou-se inocente.
Texto extraído do livro de Clarice Lispector: “ A Descoberta do Mundo”
Editora Rocco, pág. 228.
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colagem: JU Gioli
5 comentários:
Um texto a pedir meditação. Pessoalmente, não me parece que haja a mais leve brisa de inocência em Picasso. Ele afirmou que foi mais difícil "desaprender" a desenhar do que tinha sido aprender. Parece-me que é desse sistema de construção de uma identidade artística que Clarice fala aqui. Mas a hipótese que coloca é de tal modo etérea que imaginar consequências para essa hipótese é um jogo sem regras, logo quase impossível de jogar. A menos que se deseje muito jogá-lo.
Enquanto medito penso...penso e penso que medito.
Adoraria não entender o entendido
Odiaria desentender o sentido
O ideal seria não existir ideal.
Aconchegar o teu pensamento e manter em mim o meu inocente pensamento.
Sem receitas, nem deduções,
apenas discernimento sem lógica
Absurdos que tornaram-se comuns por não serem tão absurdos assim.
Mas ao invez de pensar em letras altas..vou falar em voz baixa.
beijos,
Selena
..."arte não é pureza, é purificação, arte não é liberdade, é libertação". Deve ser mais difícil desaprender que aprender, porisso nem todos conseguem se tornar artistas e adquirir um olhar inocente sobre as coisas.
Beijos.
a clarisse linspector era uma otima escritora mesmo
heheh
vlw por postar ela aqui
momentos agradaveis
abraços
Ju, e as primeiras árvores para o nosso Movimento Natureza já estao sendo plantadas e de um modo super especial. Veja quem foi a primeira a plantar sua árvore e de um modo bem especial. http://novitazinha.blogspot.com/2009/04/quase-um-conto-de-fadas.html
Um abraco
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