@ Dis-cursos






Translate



07 dezembro 2009

Mínima hiatal

Eu e a minha azia, vivíamos em paz e concórdia; mesmo assim, essa pequena saliência insultuosa ( ver Hérnia de hiato) produzida no esôfago, estava presente, fazia-se sentir todos os dias. Além disso, não me dava sossego com o que eu ingeria. Era manhosa, sedutora das minhas vísceras, produzindo esse líquido ácido, impedindo de eu ir adiante nos meus sabores. Ajeitava-se no seu espaço, dava aos ombros algumas vezes, e assim remexia-se, mas deixava- me em paz.
Estávamos em cumplicidade solitária já há alguns anos, até o dia ( 3.12.09)  de uma “endoscopia”, numa fria sala de exames; farejaram em mim essa conhecida, revelando sua face. Naquela altura, sentia dores e, às vezes, não me deixava dormir.
Percebi, que para o médico, aquela natureza monolítica de uma amizade, não deveria existir. A sua graduação no tema foi a palavra final, na decisão de extrair, subjugar, extirpar, regularizar, e enfim: - operar em laparoscopia.
Quando me desfiz da sensação de ser um peso, deus me livre quase morta sobre a maca, e me transformar novamente num ser humano às voltas com a altura mais favorável do travesseiro, e mesmo separada pelo abismo de uma profunda incompatibilidade metafísica, parada e silenciosa em meu estado catatônico, estava feliz. Percebi que a chuva desta época do ano, continuava intensa e no fervor do verão. Tudo escorrendo pelas vidraças, transmitindo a sensação de veludo macio no sono infindável desta minha felicidade, misturada a dose letal de anestesia para um corpo que cai enfim ao seu leito,e se despede de uma velha amizade.



-Então, amanhã você está de alta.
Foi o som, que o meu especialista graduado, com olhos filosóficos espalhou pelo quarto.
Apenas olhei para ele e dormi novamente, como um anjo.



Os rastros desta “amiga” ficaram na minha pele, cinco furos distribuídos e eqüidistantes na dimensão corpórea, parecendo beliscões bem dados nas minhas vísceras retorcidas, e concordo em dizer que ao ser extirpada, regulada, redimensionada, não deixou atrás de si nenhum jardim das delícias, mas uma ruptura trágica entre a existência e a dor, que deu início a uma longa e fatal discussão do meu novo ser, reiterando à lei da entropia, do como tudo o que existe no espaço- tempo do corpo, acabam por fazer parte dele.
E, assim  vivi, nessa mínima hiatal, uma separação entre a consciência e o corpo em sua futura transformação,  na lição de  experimentar o inevitável: - o  de ter que "desacelerar" (mesmo) para ver a importância do tempo em cada "miléssimo" dos seus segundos.





Hérnia de hiato: profusão do estômago através do orifício pelo qual o esôfago atravessa o diafragma para penetrar na cavidade abdominal. Existi um músculo que se abre para permitir a passagem dos alimentos para o estômago e, então se fecha para impedir que os ácidos estomacais subam para o esôfago. Qualquer alteração pode provocar o refluxo gastroesofágico e, conseqüentemente, azia, o sintoma mais comum da hérnia de hiato.



JU Gioli

12 comentários:

Arma_Zen disse...

Desejo a você saúde, saúde, saúde!
um beijo.

Jorge Pinheiro disse...

Marcas de um tempo sem azia.
Tenho um amigo que sofre horrores mas não é operável (diz ele!). As melhoras. O corpo é sempre bonito quando a alma é. Beijos.

Jorge Pinheiro disse...

A propósito, grande descrição. Até senti o bisturi a entrar...

jugioli disse...

...em recuperação

Selena Sartorelo disse...

Olá Ju,

Se esse texto está maravilhosamente bem escrito é porque está em recuperação, então o que não devo esperar quando estiver restabelecida.
Já li poesia de pernilongo, cemitério, elementos sem censura, gesto e muitos sentidos dos sentimentos mas ainda nunca tinha lido uma poesia de hérnia de hiato.

Cartas do pensamento

Lembrei das dores que ouvi e nem tanto das que senti.
Fui levada de volta ao hospital e aquele cheiro de éter invádi minhas narinas, mas sempre me mantive consciente que sobre isso nunca soube e ainda não sei se saberia escrever.
Sobrevivi e por tantas vezes num pequeno espaço de tempo renasci.
Todo momento a vida senti nesse lindo texto que li.

beijos

Maria Augusta disse...

Ju, esta "amiga da onça" se foi e você se despediu dela com este teu belo texto. Você tem razão nestes momentos nos quais somos obrigados a desacelerar é que entendemos a importância de cada segundo da vida.
Te desejo uma rápida recuperação.
Um grande beijo.

myra disse...

coitadinha...mas vai recuperar rapido, e te desejo mais que tudo SAUDE!!! SEMPRE!!!!
e sabe voce escreveu descreveu tao bem!
parabens e outra vez Saude, minha querida,
beijosssssssssss

http://saia-justa-georgia.blogspot.com/ disse...

Ju, que lindo texto para especificar a sua amiga companheira de tantos anos, rs.

Boa recuperacao e boa saúde.

Com essas festas chegando, este ano quem sabe você vai aproveitar melhor os sabores.

Um grande abraco

Gaspar de Jesus disse...

Cara JURACY
Vejo que se submeteu a uma intervenção cirúrgica para se libertar de uma "incómoda amiga". Até aqui tudo normal, este tipo de coisas acontece às Pessoas, até mesmo às Melhores Pessoas como é o seu caso. Agora o que eu quero enaltecer é a sua capacidade de escrita! A forma como escreve na primeira pessoa, é LINDA!
Formulo os melhores votos de uma franca recuperação. Concordo com o Jorge Pinheiro quando ele diz que, com esses cinco furinhos o seu corpo continuará bonito, dado que a Alma já o é!
Beijinho
Gaspar de Jesus

sonia a. mascaro disse...

Ju, desejo uma ótima recuperação!

Bem interessante este seu texto, traçando os caminhos e descaminhos dessa presença que atrapalhou tantas vezes o desfrutar de diversos sabores.
Beijos e uma ótima semana.

myra disse...

mais e mais saude e um montao de beijos!!!

jugioli disse...

Tuca,
Expresso, Selena, Maria Augusta, Myra, Georgia, Gaspar, Sonia:- a possibilidade de troca e de afetos sempre um dos melhores remédios para a vida.

Obrigado.

@@@@@@ Blogs



Anotações diárias