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10 abril 2012

Alberto Giacometti










Há 15 dias



Há quinze dias tento fazer paisagens. Passo todos os dias na frente do mesmo jardim, das mesmas árvores e do mesmo fundo. Vi essa paisagem pela primeira vez pela manhã, o sol estava brilhando, as árvores cobertas de flores, e no fundo, bem ao longe, montanhas cobertas de neve. Era isso que eu queria pintar, mas desde então o céu está menos claro, muitas vezes chove, não vejo mais as montanhas há quinze dias as flores, as brancas e lilases, murcharam, e continuo minhas paisagens até a madrugada.

Cada dia, vejo um pouco mais que não estou vendo nada e não sei de que forma alguma como, e por meio de quê, eu poderia colocar na tela algo daquilo que vejo. Qualquer esperança de restituir a visão do primeiro dia desaparece, mas isso é-me  bastante indiferente. Essa paisagem devia ser apenas um começo, é isso que eu tenho o tempo inteiro sob os olhos na frente da porta do meu atelier, vi muitas outras nos arredores que queria fazer  também , uma eu até comecei um dia. Pensei que poderia fazer toda uma série de paisagens, da manhã, da noite, algumas com grandes conjuntos, outras com árvores, e outras ainda com o rio.

Mas eu não penso  mais nisso, aquelas que estão na frente da porta são me suficientes por meses, e ainda assim eu seria obrigado a me limitar, primeiro a uma só parte dessa paisagem, e em seguida provavelmente a uma só árvore, e no final, a apenas um galho. E quer eu faça a paisagem ou flores num vaso, ou um vaso com flores ressecadas, ou somente o vaso, ou outros objetos que estão na mesa, isso não tem mais nenhuma importância. Ou uma figura no cômodo com os objetos que o cercam, e voltarei bem rápido ao mesmo assunto que estou tentando pintar há anos, e as paisagens seriam uma vez mais adiadas para mais tarde, ou, em todo caso, não vejo quando poderia ir mais longe do que aquela que vejo pela minha janela ou na frente de minha porta.

Mas vejo todas aquelas que gostaria de ter pintado, em torno de meu atelier em Paris, e depois o terreno baldio de Malaloff, e os arredores de Paris, e de Dieppe e do cabo Ferrat, mas também toda a paragem para Digne. E aqui logo depois da fronteira italiana.

Muitas vezes, à noite, vejo todas as reproduções de paisagens que encontro nos livros que tenho aqui (é uma escolha bastante limitada), para saber quais me chamam a atenção, ou me interessam mais. Comparo-as e copio-as. Há aqui algumas reproduções dos impressionistas, dos holandeses, flamengos primitivos, egípcios, um álbum de paisagens chinesas, e é mais ou menos tudo.

Fica me a memória, nesta noite, sobretudo as de Cézanne, as chinesas, as de Ruysdael  e as de Van Eyck e as egípcias, o que provavelmente ficaria na memória de mais ou menos todo mundo, pelo menos de quase todos o pintores.

Eu me restrinjo, para acabar, a dois detalhes de Van Eyck, a um relevo egípicio e a duas ou três paisagens chinesas e as de Ruysdael. São essas que me parecem as que mais se assemelham, sobretudo as de Van Eyck e o relevo egípcio, ou também uma cascata entre as rochas chinesas. É quase incômodo falar de paisagem chinesas hoje, fala-se muito delas, admira-se muito sua atmosfera, o espaço, a onda, elas parecem sempre de referências duras e precisas como uma pedra, são essas três obras que me chamam a atenção e que mais me interessam. Eu as copio e me parece que elas têm alguma coisa, ou mesmo muitas coisas em comum.

São essas as paisagens em pinturas que me vêm primeiramente à memória.



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Giacometti, Alberto. Écrits. Paris: Hermann Éditeurs, 2007, PP.375-377.

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