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03 fevereiro 2009

O Leitor

O leitor

Autor: Bernhard Schlink

Ao terminar de ler esse curioso livro, me perguntei, porque será que gostei ? porque ele ficou comigo durante algumas horas, nesta região onde os pensamentos soltos retornam e devolvem suas imagens, esbarrando em algumas sensações.
Ainda não vi o filme, que parece estrear em algumas semanas e que dizem concorrer ao Oscar.
Lendo algumas resenhas do filme, onde a maioria deles se reportam para a história de um adolescente que conhece uma nazista, e ambos se tornam amantes, até ele descobrir que ela estava sendo julgada por um crime de guerra . Percebi o tom áspero, duro, drástico e que não corresponde a essa sensação que a leitura me proporcionou.
Uma leitura prazerosa de jovem iniciado sexualmente, amorosamente por uma mulher, e aqui já há uma longa diferenciação, no que ele transporta de sua experiência e do que desta memória ele recupera ,e mantêm como vivência.
Amantes unidos pelo amor ao desconhecido, a desbravar em cada toque, em cada gesto, além do gozo eles criaram rituais nesta aproximação. O amor pelo exotismo do corpo, do cheiros, dos olhares. Era um respirar de perfumes estranhos e as vezes identificados, aspirar com os sentidos os seus poros.
Percorrer caminhos, redescobrir silhuetas. A elegância dos gestos, dos banhos e seus perfumes: pela água fria na concha das mãos a respingar sobre o torso nu. Traziam mundos desconhecidos a serem sentidos por ambos. Pelos calafrios de felicidade diante do sexo.
Nada saiu de sua memória, estes encontros tornaram-se para ele ponto de referência para sua vida adulta, na espera sonhadora de um mergulho no leito de suas delícias. E ainda tendo que recitar leituras, suficientemente alto para ser ouvido por sua amante que gostava de ouvir: Odisséias. Onde eles, acredito, não estavam sozinhos. Precipitavam suas excitações diante de uma leitura e levavam ao misterioso sótão de seus gestos uma avalanche de personagens, desafiando a razão, os sentimentos.

O livro nos transporta para esse mundo, carregando essa sinuosidade do tempo, ali vivido com o seu ritmo próprio, do tempo revivido de alguém que desperta para a sensualidade do amor, de um jovem que sai de sua doença numa tarde modorrenta de uma escola fria, de um questionário no quadro-negro de uma matéria que não engolia, e de fórmulas com a qual se digladiava, para conhecer outros ritmos, outras nuances do olhar.
Eles, ao meu ver, entraram por inteiro neste misterioso mundo sexual, neste mistério dos relacionamentos, das suas alquimias inexplicáveis, da languidez do amor, da exuberância dos corpos, das contingências dos olhares, e principalmente do “irreconhecível” que como define Roland Barthes : -“esforço do sujeito apaixonado para compreender e definir o ser amado “ em si”, como um determinado tipo característico, psicológico ou neurótico, independente dos dados particulares da ligação amorosa”

O livro é esta busca, onde o outro é sempre um enigma insolúvel, experimentado nessa exaltação de amar profundamente um desconhecido.
O tema do questionamento sobre o quanto a literatura pode fazer com que a vida
de alguém seja mais envolvente, além do tema desta metafísica
das paixões, do tempo da memória e o tempo
da realidade. Uma deliciosa leitura.


texto: JU Gioli

14 comentários:

Unknown disse...

Ler é isso mesmo...voar no universo do sonho e do prazer...

Elma Carneiro disse...

JU
Gostei de sua volta ao Vale da Lua.
Entro aqui e encontro seu comentário sobre o livro O Leitor, qua já vou colocar na lista de compras para a minha próxima leitura. A história me parece apaixonante.
Obrigada e estou saindo gratificada.
Bjs

Elma Carneiro disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Silvares disse...

Entre a literatura e o cinema vai sempre a distância impossível de uma sensibilidade que não se pode filmar.
:-)

jugioli disse...

Luis, um mundo de sentidos e plenos de constelações, uma delas é o prazer.

Obrigado.

JU

jugioli disse...

Elma, divirta-se!!!

Silvares, concordo. A tela seque uma outra respiração, que não a nossa, numa leitura silenciosa.

bjs.

JU

Amizade / Amistad disse...

Passámos para avisar que tem um prémio no nosso blogue.
Parabéns!...

Adriana Riess Karnal disse...

entre autor e leitor um bom livro é um casamento!
anndixson.blogspot.com

jugioli disse...

Amizade, vou lá buscar. Obrigado pelo presente.

Adriana, concordo, um casamento que deve ser lido sem reservas.

JU

Maria Augusta disse...

É verdade que quando gostamos de um livro em geral o filme baseado nele nos decepciona, certamente porque a interação de nosso universo com o do autor é diferente daquela do diretor.
Esta tua "leitura" do livro nos dá vontade de lê-lo também.
Um grande beijo.

addiragram disse...

A recensão é muito sugestiva e apelativa. Quando puder, lerei. O que é maravilhoso é que é através do amor que mais se busca o conhecimento!

Anônimo disse...

Vim retribuir sua visita. Adorei o seu blog, muito gostoso e como eu adoro ler, o post litaralmente falou comigo.
Eu não sou muito fã de adaptações de livro para o cinema, o último que eu li foi o Caçador de Pipas e acabei assistindo ao filme. Gostei do livro, mas não gostei do filme. Enfim, vamos ver esse, já está anotado para virar livro de cabeceira. Abraços daqui

Anônimo disse...

Oi, Ju!
Vim retribuir a tua visita no Usina e já de cara adorei o teu blog! Virei mais vezes :)

Sobre literatura, ela dignifica, enobrece o pensamento. Mais, acho que enriquece a experiência de viver. Para mim, é indispensável :)

Beijo

querência disse...

Oi Ju, não lí "O Leitor", mas vi o filme.Os dois(livro/filme)fazem abordagens diferentes.O filme é sempre mais limitado, pq é muito difícil(quase impossível),o diretorabarcar todo o universo de um livro, principalmente quando esse universo é mais complexo, como é o caso de "O Leitor".Alguns aspectos que vc colocou em seu comentário são abordados no filme, mas creio que o diretor optou por mostrar um outro lado da história,a questão da ética, do nazismo e do conflito emocional-sexual-amoroso.Aquela pergunta que muitas vezes qualquer um de nós pode fazer a si mesmo:eu amei essa pessoa?Essa pessoa foi capaz de fazer isso? Um acontecimento que é mais comum do que se imagina.O aperceber-se que todos temos defeitos, ninguém é perfeito.O contato com a realidade, sem idealizações.O aceitar-se e, consequentemente, aceitar o outro também, com seus defeitos e qualidades.Além disso, o diretor tenta mostrar a hipocrisia da sociedade civil alemã da época, o uso dos "bodes expiatórios" que o poder estabelecido utilizava.O filme é muito bom. E Por falar em muito bom, melhor ainda é o seu blog:em conteúdo e beleza plástica.Parabéns!

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