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17 novembro 2009

Dúvidas...









“Quero para mim o espírito desta frase, transformada a forma para a casar com o que eu sou: Viver não é necessário, o que é necessário é criar”  Fernando Pessoa.



Li esta frase de Fernando Pessoa em Obra Poética, na tarde de vinte e oito de maio de 2006, na livraria do Porto, em Portugal, com a frenética curiosidade dos meu olhos, folheando aquele imenso livro recém-lançado.

Não que não tivesse lido ou conhecido esse incrível escritor de outras leituras, mas ver tantos poemas ali reunidos foi um festa, e deter-me nesse foi uma surpresa, para quem caminhava pelas ruas, com a intensa energia do sol de verão, por aquelas ruas que talvez ele mesmo tenha vivido e caminhado, escrito seus poemas em bares e vilas, e que num dia de profunda inspiração, escreveu numa página de seu caderno :-

“Viver não é necessário, o que é necessário é criar”.



E neste vaivém entre as páginas e as linhas do poema, que vários poemas são, formando uma consistência letárgica, fui surpreendida pelos ruídos do tráfego, e das andorinhas, ou melhor várias andorinhas, centenas delas, nesta tarde de verão, Andorinhas que vociferavam pelas ruas, ingovernáveis, rebeldes, formando uma via láctea diante dos meus olhos e ouvidos. E, continuei me arrastando pelos meandros mentais desta frase, desses momentos que duram um instante como a cor do pôr-do-sol no leito do mar. Também estava com vontade de ver o mar.

Esse gosto sibilante e fluído de um frase que te cerca em profundidade, e continuava diante dos meus olhos: - viver não é necessário, o que é necessário é criar”.

Poeira de ar empurrando os subúrbios dos ventos e memórias que afloram sem saber de onde, desassossegos e inquietudes – cercando meus pensamentos, eu me pergunto: “o que é criar”? Criar com essa disposição de poema que fere a alma. Revelar interioridade. Criar, o que é afinal a criação?

Sinto que posso ficar uma semana sentada e pensando nesta frase, e não chegar ao seu entendimento, sua profundidade e alcance.



Como ver que somos representações de várias faces que se ocultam – sombras fluídas, de ventos e linhas, e de linhas aos ventos fui saboreando essa sensação, sem ter respostas, sem ter definições. Sentia partir tais pensamentos, vinham outros e se completavam, entre espaços enevoados destas sensações transfiguradas em novo sentir.

Somos ondas respirando ventos, no dissolver e no relaxar, fazendo tremer a epiderme na tensão da posse, e com a minha indignação, carreguei desalinhada minhas dúvidas como um pianista que leva seus sons antes de sentar-se ao piano.



E hoje, a frase voltou, inteira em minha mente, enfronhada ainda em meus lençóis , sempre com a dúvida se a arte têm raízes com o vivido, será porque se altera e se faz sempre noutras dimensões, criando outro existir. A arte, esse discurso solitário, com seus espectros e angústias, sempre transformando, sempre indagando. Ela que não é o real, mas apenas a transformação do vivido, a invenção extrema da introspecção, da exploração do próprio ser, uma testemunha sobre os desejos e sofrimentos do humano, alguma coisa que toca nesse indecifrável mistério que é a vida.

10 comentários:

myra disse...

sim minha querida amiga, Fernando Pessoa, tem TODA a razao!!!!!!
e tuas linhas sao otimas1
beijos fortes

Selena Sartorelo disse...

Olá Ju,

As coisas engraçadas que a vida tem. Estou desde domingo com uma frase que insiste em não sair da minha mente. "Navegar é preciso. Viver não é preciso!" E agora lendo seu texto pensei, preciso parar e pensar sobre o assunto rsrs!! Mas que nada você já o fez com muita precisão.

Curiosidade: Ouvi essa frase de um amigo real que reencontrei aqui na blogosfera e no domingo de fato o
reencontrei numa dessas coincidências da vida. E foi como se nunca tivesse deixado de vê-lo...uma daquelas sensações esquisitas mas prazerosas que temos às vezes. E, durante um conversa agradável e diversa onde não conseguiamos fixar-nos em um único assunto (devido talvez pelo próprio reencontro inusitado)ele precisou bem essa frase e sua significação.

beijos e obrigada pela compreensão.

addiragram disse...

Belíssimo texto literário-filosófico sobre as questões que esse Pessoa sempre nos levanta. Mas Pessoa criou porque esta terá sido, talvez, a única forma de conseguir existir, já que viveu uma existência num estado de não-existência.
Recomendo este livro: http://www.almedina.net/catalog/product_info.php?products_id=7388. Quando vier até aqui, ou então pela net....

Um abraço.

jugioli disse...

Myra, sempre muito feliz com a sua presença.

Selena, navegar e criar, criar e navegar sempre.


Addiragram, sugestão anotada, e super obrigado pelo sensível comentário.

jugioli disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Dalva Nascimento disse...

A arte tem o poder de nos permitir atingir esse "indecifrável" da vida... através dos sentidos.

Bjs.

myra disse...

passei te dar bom dia, beijo com muito carinho,

james emanuel de albuquerque disse...

Tudo de muito bom gosto por aqui.


Um abraço.

Paulo Mandarino disse...

Que experiência linda, Ju! Obrigado por compartilhar pensamentos e sentidos. Um grande beijo!

Maria Augusta disse...

Ju, acho que criar é ir ao encontro da imortalidade, pois o corpo passa mas um pouco da alma fica em cada criação.
Um grande beijo.

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