@ Dis-cursos






Translate



30 janeiro 2010

Modos de Ver (9)


Já a alguns anos, entre os meses de junho a setembro, programo minha viagem para a Itália, sempre no verão; férias, família, calor, montanha e mar. Itens que não excluo da bagagem. O ano passado (2009), ainda sobrevoando a cidade de Roma, dei-me conta de uma imagem que nunca saiu da minha memória, uma pintura de Cézanne, que sempre me acompanha.
O horário de vôo de São Paulo favorece essa possibilidade de embarcar à noite e chegar maravilhosamente cedo, com o amanhecer nos telhados, na umidade dos campos, dos movimentos mínimos de uma manha preguiçosa. E como eu, depois de tanto tempo de vôo, ainda meio adormecida, espero o côncavo do sol na janela.
E, como uma cena surreal, vou saboreando esta cidade eterna, do alto da minha poltrona, como expectadora, onde cada detalhe meus olhos anotam, curiosos, no estranhamento de estarem num lugar tão diverso e, terem deixado para traz, o cotidiano urbano do transito, dos edifícios, e da ansiedade natural de toda viagem.
A sensação deste amanhecer neste lugar estrangeiro, com a luz tímida de energia a despontar ainda na janela do avião, sob o céu clareando, como página de um livro ainda não aberto, ou como uma folha de seda ainda sobre suas paisagens, é inebriante. Encosto minha cabeça na poltrona, assaltada de prazer. Vou pelo ar, nesta confusão de emoções e de horários. Mas quem se importa.
Neste meu idílio, tal pintura de Cézanne, pouco conhecida, intitulado os “Telhados” (1877), e que guardo com carinho no meu caderno de viagem, vai se revelando aos poucos, trazendo esse lugar e esta sensação universal de não ser lugar nenhum, ou todos ao mesmo tempo. A tela possui as formas dissolvidas pela luz, e estão transpostas para esta atmosfera flutuante, mágica e incerta, o que torna a localização uma incógnita, afinal poderia ser qualquer lugar .
E, nesta dimensão de sobrevoar uma cidade pela manhã, na modulação de uma atmosfera que envolve os objetos e as cores, converso com os meus pintores prediletos: Cézanne, naturalmente, assim como Vollard, e Pissarro, paisagistas de alma pura.
As imensas variações de ocres, terras de sienas, azuis e violetas se misturam nesta paisagem. O sol me espera pelas montanhas, até Nocera Umbra, região ao norte, onde vou permanecer algum tempo, sentindo a sintaxe deste pintores, respirando a escrita íngreme dos vales. Aceito o meu destino, em abandonar a poluída cidade, para essa aragem quente, debruçados desta atmosfera de girassóis e trigo, onde os telhados teceram o seu tempo.
Respiro, movo-me desta confusão do aeroporto, Na porta, posso atar minha malas e chegar ao gosto das cores púrpuras de Cézanne.






foto e texto:  Ju Gioli

10 comentários:

silvana disse...

OI!! Que foto linda, nossa imaginação voa e imagina quanta história ela poderia nos contar. Também gostei do teu trabalho.
Parabéns!

... disse...

Ju, vc, sabe sentir as coisas, vista por um lado, vemos outra, vista pelo outro lado sentimos outra.
∆Bs.
Contudo a velocidade está øtima.

Paulo Mandarino disse...

Aiaiai! Italia sempre Italia! Quantos segredos nessas casas, nessas cores, nesse tempo! Quanta vida nas suas palavras. Me deu uma saudade imensa de chegar lá! bjs

Li Ferreira Nhan disse...

Ju,
teu olhar transpira sensibilidade... Sua escrita,
seus registros,
sua arte;
são belos como você!
beijo
li

Lina Faria disse...

Ju,
cada vez mais bem impressionada com a maravilha de pessoa que você é. Guardadas as devidas proporções, me identifico muito consigo e seus sentimentos. Só estou longe de ter esse talento e serenidade que seus olhos ( na foto do Jorge)passam aos que sabem encherga-la.
Fico feliz por te-la conhecido. Mesmo que virtualmente.

E o que são essas chaminés italianas? lindas!

Lina Faria disse...

Ah, ia me esquecendo que, além de ter Cézanne como um dos meus prediletos, amo o livro "modos de ver" do John Berger.]
beijos!

myra disse...

sim, Italia é maravilhosa, infelizmente o governo que tem agora esta estragando tudo!
qdo vier outra vez me avisa quem sabe podemos nos conhecer:))))
beijos

ma grande folle de soeur disse...

Adoro este seu modo de ver :))) beijos

peri s.c. disse...

É mesmo a melhor hora de chegar em Roma.
Pegamos a cidade desprevenida.

jugioli disse...

obrigado pelos comentários.

@@@@@@ Blogs



Anotações diárias